sábado, 14 de março de 2009

O seguro DPVAT e a MP do Bem


Se já era bom o direito do Consórcio de Seguradoras que opera o seguro DPVAT quanto à aplicação da tabela para cálculo da invalidez parcial e ao não reembolso de despesas médicas e hospitalares decorrentes de atendimentos a vítimas pelo SUS e/ou conveniados, já agora, com a recente edição da Medida Provisória nº 451, de 15/12/08 (DOU de 16/12/08), que imprime oportunas alterações à Lei 6.194/74 (também relevantes e urgentes, porque do contrário não caberiam ser tratadas por Medida Provisória), esse direito tornou-se irrefragável, em benefício da coletividade que constitui esse seguro obrigatório de cunho tão eminentemente social, da qual são gestoras a Seguradora Líder e as demais integrantes do Consórcio, para impedir – de uma vez por todas e com o esperado alívio de custos impróprios – indenizações indevidas posto que além dos direitos aos beneficiários que a lei concebeu, sabido que “benefícios extravagantes e ilegais” são, em verdade, malefícios que geram prejuízos irreparáveis a essa mutualidade toda especial em que consiste o seguro DPVAT, espécie de estipulação em favor das inúmeras vítimas do trânsito a que estão obrigados os proprietários dos veículos automotores de vias terrestres, máquinas das mais perigosas do planeta, que matam e mutilam mais do que uma grande guerra.
Chamo a atenção para o disposto no art. 20 da referida MP, que altera o artigo 3º da Lei 6.194/64, primeiramente quanto à modificação produzida no caput e a introdução do parágrafo 1º, contemplando a invalidez permanente, nas suas duas vertentes, total e parcial. No caso de invalidez permanente total, o benefício corresponderá ao valor máximo da indenização, igual ao da indenização por morte. No caso de invalidez parcial, o valor da indenização será apurado consoante uma tabela anexa a esta lei (confira-se com o art. 21), conforme seja essa invalidez parcial completa ou incompleta, de acordo com a extensão das perdas anatômicas ou funcionais, obedecidas as regras ali mesmo inseridas, nos seus incisos I e II, in literis:
“I - quando se tratar de invalidez permanente parcial completa, a perda anatômica ou funcional será diretamente enquadrada em um dos segmentos orgânicos ou corporais previstos na tabela anexa, correspondendo a indenização ao valor resultante da aplicação do percentual ali estabelecido ao valor máximo da cobertura;
e II – quando se tratar de invalidez permanente parcial incompleta será efetuado o enquadramento da perda anatômica ou funcional na forma prevista no item 'I', procedendo-se, em seguida, à redução proporcional da indenização que corresponderá a setenta e cinco por cento para as perdas de repercussão intensa, cinqüenta por cento para as de média repercussão, vinte e cinco por cento para as de leve repercussão, adotando ainda o percentual de dez por cento, nos casos de seqüelas residuais.”
Ainda no que concerne a essa tabela, que permite, com toda segurança jurídica, o cálculo da invalidez permanente parcial, agora expressamente guarnecida e ungida por lei, tanto que dela é parte integrante, chamam-se à ordem alguns poucos feitos judiciais, menos avisados, é bem verdade, que por vezes mandam pagar o valor máximo da indenização prevista para invalidez parcial mesmo a despeito de não ter sido ela total, ignorando a realidade de que o valor previsto na lei representa apenas o valor máximo de indenização, e não o valor único de indenização, tanto assim que esse valor é, na lei, precedido da palavra “até”, ao contrário do valor previsto para a garantia de morte, assim indicado na lei como valor único, justo e obviamente porque não há morte parcial, pois a morte é sempre total. A tabela, portanto, com lastro nos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, reitera a efetividade da cobertura de invalidez permanente, que na sua vertente parcial só pode comportar indenização proporcional, conforme sempre quis o legislador, desde a edição da Lei 6.194/74.A revisão legislativa concernente à graduação da invalidez permanente, além de urgente, era necessária, ao menos para fins declaratórios, deixando agora bem mais claro que a invalidez permanente deve ser indenizada em função de seu grau (total ou parcial), com apoio em uma tabela ou tábua reconhecida diretamente pela própria lei, e não por perícia ou por declaração médica, acabando definitivamente com a pecha da chamada “tabela de açougueiro”.
É certo que, pelo princípio da legalidade, o seguro DPVAT, no que concerne à invalidez, sempre cobriu apenas a permanente, e, por óbvio, nem toda invalidez permanente é total, razão suficiente para abonar a existência de critérios legais básicos para se apurar o grau dessa invalidez, só se justificando a indenização máxima se ela for total, tanto que o art. 3º da Lei 6.194/74 (antes e depois da presente MP, daí o seu caráter declaratório), já não deixando margem a dúvidas, determinou, expressamente, que a indenização, a título de invalidez permanente, seja de até R$13.500,00 (ou de até 40 salários mínimos, na origem da lei), eis que, pelas regras mais comezinhas de hermenêutica, o limite máximo de indenização ali estabelecido não poderia operar do mesmo modo para uma invalidez máxima (tetraplegia, por exemplo) e para uma invalidez mínima (digamos a perda de um dedo da mão ou do pé), pois seria a consagração do enriquecimento sem causa e da mais evidente violação a princípios constitucionais como os da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade, além de consistir em flagrante deturpação da tão eminente função social do seguro.
Tampouco uma declaração do INSS, de que o segurado está definitivamente aposentado perante a previdência social, teria as galas da suma prova de que, no seguro privado, por mais coeficiente de socialidade que tenha, o limite máximo da indenização só por esse fato deveria ser automaticamente aplicado. Ainda que a declaração pudesse gerar uma presunção, não seria ela uma presunção absoluta, cedendo, portanto, a uma declaração em contrário por parte da seguradora, como gestora da mutualidade.
Conquanto possa ser permanente a invalidez sempre que não se tenha como esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento de sua constatação, não significa também que seja ela total.
Tal menção define apenas o aspecto “permanência” da invalidez, jamais se inferindo que seja ela também total, eis que nem toda invalidez definitiva é total, podendo ser, por conseguinte, parcial, vale aqui repetir.A invalidez permanente, desassombradamente, não é sinônimo de “total”.
A primeira tem conteúdo de permanência temporal na sua definitividade, enquanto a segunda, de grau, de intensidade.
Quanto ao parágrafo 2º ali introduzido, no mesmo art. 3º da Lei 6.194/74, vale destacar que, se o atendimento é feito pelo SUS, diretamente ou através de ente conveniado, não há que se falar em indenização no campo da Assistência Médica e Despesas Suplementares (AMDS), e, frise-se, mesmo que o atendimento seja feito em caráter privado. Com tal ferramenta legal poder-se-á, com o auxílio do Ministério Público e autoridades policiais, combater eventuais fraudes que ainda possam ocorrer, por exemplo, na simulação por estabelecimentos e prestantes de serviços médicos ligados, mas não conveniados ao SUS, montados só para recepcionar as vítimas de trânsito e assim fomentar a inaceitável indústria de pedidos de indenizações com lesão ao seguro DPVAT.
Ainda com alusão a esse não-direito a reembolso de despesas médicas e hospitalares referente a atendimentos pelo SUS ou conveniados, a novel alteração legislatória deixa estreme de qualquer dúvida que porventura eventualmente pudesse restar, ao estabelecer, in literis, que: “O seguro previsto nesta lei não contempla as despesas decorrentes do atendimento médico ou hospitalar efetuado em estabelecimento ou em hospital credenciado do Sistema Único de Saúde – SUS, mesmo que em caráter privado, sendo vedado o pagamento de qualquer indenização nesses casos” (os grifos não são do original).
Como se vê, a redação é de precisão e abrangência tais que não deixa margem a qualquer possibilidade de reconhecimento a pedido de reembolso de AMDS relativo a atendimento, direta ou indiretamente, pelo SUS, tenham ou não as despesas sido efetivamente incorridas pela vítima. Com efeito, mesmo que o paciente seja atendido em caráter particular ou privado por médico ou estabelecimento conveniado ao SUS, não há direito a reembolso de AMDS.
Por isso a lei coíbe as muitas fraudes que existem em tais atendimentos, em que a vítima, muitas das vezes, é induzida pelo ente conveniado a, em troca de um documento, adrede, que sub-rogar o hospital, clínica ou médico, por exemplo, autorizando-o a habilitar-se junto ao consórcio que opera o DPVAT.
Ora, não há que se falar em direito a reembolso de despesas se estas não existem ou tampouco são comprovadas ou legitimadas.
É que o hospital, ou qualquer ente médico conveniado ao SUS, tem a obrigação de atender ao paciente por conta desse convênio para o qual é remunerado, mormente nas urgências e emergências que costumam ocorrer nos acidentes de trânsito, objeto de cobertura pelo DPVAT, não sem lembrar de que o SUS, por sua vez, tem como fonte dessa remuneração dada aos seus conveniados quase que metade da receita bruta do prêmio do próprio seguro DPVAT, por determinação do art. 27 da Lei 8.212/91, justo para fazer face a atendimentos como que tais.
De outra parte, reforça o descabimento do reembolso de AMDS tratado na MP em comento o próprio disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei 8.212/91 (lei de custeio da seguridade social), segundo o qual:
“As companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, de que trata a Lei 6.194, de 19 de dezembro de 1974, deverão repassar à seguridade social 50% (cinqüenta por cento) do valor total do prêmio recolhido e destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS), para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vítimas em acidentes de trânsito” (grifei).
Realmente, o verbo repassar, conjugado no dispositivo acima transcrito, em qualquer dicionário da língua portuguesa, além de significar “passar de novo, pela segunda vez”, “tornar a passar”, também exprime o sentido de transferir – no caso, 50% da receita bruta do prêmio arrecadado pelas seguradoras, e exatamente, como ali sublinhado, para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vítimas em acidentes de trânsito.
Ora bem, com tal repasse, junto se transferem para o SUS e sua rede de conveniados as despesas para tal custeio, já que, sendo o prêmio elemento essencial do contrato de seguro, uma vez dele desfalcado por imperativo legal e com destinação específica, o segurador privado desonera-se da obrigação de indenizar as despesas de AMDS em casos tais, razão pela qual o pedido de reembolso, se legítimo fosse, haveria de ser postulado junto a quem passou a deter tal parcela expressiva do prêmio, de destinação, aliás, específica para o custeio de AMDS nesses atendimentos.
Completando o conjunto de alterações introduzidas por essa MP do bem, vale também sublinhar a alteração no art. 5º, § 5º, da mesma Lei 6.194/74, impondo prazo ao IML da respectiva jurisdição para fornecer o laudo de constatação e quantificação das lesões permanentes, totais ou parciais, o que vem, também aí, conferir maior segurança jurídica para os julgadores e intérpretes no contexto da liquidação de sinistros de invalidez cobertos pelo DPVAT.
Cabe também observar o disposto da referida MP em seu art. 19, que, ao alterar o art. 12 da mencionada Lei 6.194/74, reitera poderes ao CNSP para estabelecer, anualmente, o valor correspondente ao custo de emissão e de cobrança da apólice ou bilhete do seguro DPVAT, ao mesmo tempo determinando que esses custos são deduzidos dos valores de repasses ao SUS e demais entidades a que se refere o art. 27 da Lei 8.212/91, antes mencionado.
Por último, vale também registrar as alterações que a Resolução CNSP nº 196/08 imprimiu ao art. 11 da CNSP nº 154/06, que consolida as normas do DPVAT, in literis: "Art. 11 A indenização por despesas de assistência médica e suplementares será paga diretamente à vítima (NR) I-(Revogado)II-(Revogado)Parágrafo único.
A vítima deverá apresentar comprovante original do valor da despesa do hospital, ambulatório, ou médico assistente que tiver prestado o atendimento médico-hospitalar (NR)"Constata-se que a presente alteração pelo CNSP se dá em consonância com o disposto na MP 451/08, eis que, além de determinar que a indenização de AMDS doravante será paga diretamente à vítima, a CNSP nº 196 revoga os incisos que constavam do antigo art. 11, que estabeleciam a faculdade de opção à vítima por atendimento particular no caso de assistência prestada por pessoa física ou jurídica conveniada com o SUS, caso em que o pagamento direto à vítima se daria quando a assistência fosse prestada por ente não conveniado.
É que, como vimos, segundo a MP 451/08, não mais se admite reembolso de AMDS quando o atendimento se der por médico ou hospital conveniado, direta ou indiretamente, nem mesmo em caráter privado ou particular.
Ricardo Bechara Santos
Advogado especializado em direito do seguro e presidente da Comissão Jurídica da Fenaseg

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